19/12/2007

João Fatalista (versão blogante - parte II)

João Fatalista começou a difundir-se ao mundo.

Todos os seus textos eram publicados em seis das línguas mais faladas com a colaboração de algumas pupilas tradutoras – uma espécie de abelhas operárias do seu fel – que tinham os nomes num destaque da página, em letras pequeninas e coradas de discretas, parecendo ilhotas à volta da fotografia oceânica de seu mentor.

Em poucos meses, o seu blog tornou-se a referência de pensantes à procura de ideias, a Varanasi de políticos ocidentais, a Jerusalém de ateus, a Las Vegas de religiosos, enfim, a via verde de todo o humano com pavor aos penhascos das estradas da info-exclusão.

Lá, no “A Verdade É Amarga”, deixava todo o seu azedume gotejar com uma lógica resistente a qualquer tsunami filosófico e, cada vez mais amiúde, o seu amargor transmutava-se em veneno letal, numa alquimia ofídia dominada apenas por cérebros raros, hermafroditas, que se masturbam nas próprias ideias para procriar nirvanas mentais, plenos no desdém, absolutos no infinito do seu umbigo.

Com parcimónia mas sem misericórdia, com ou sem justificação, distribuía acres bofetadas em profissionais da argumentação, industriais da política, sindicalistas do clero, comerciantes do ilustre. Com vigor igual. Sem olhar a qual.

[O amargo era o seu único amigo]

João Castello Delmonte Fatalista era lido, era seguido, era temido.

As suas audiências aumentavam ao som minimalista de 10 a 20 cliques por segundo e os opinion makers de renome tremiam com o abrupto frio estatístico que se instalara nas suas paróquias. Outrora ungidos, começaram a sentir-se ovelhas sem rebanho, clérigos sem fiéis, e ainda tinham que ler blasfémias dos poucos que passavam para saudar e investigar o mofo.

“O J.F. já disse isso há dois meses n’ A Verdade é Amarga… Quer o link para o arquivo dele?” ou “Este blog já era, todos sabemos isso, mas acho patético o seu desabafo de querer encerrá-lo para sempre. Deixe de ser fatalista!” — eram exemplos bondosos das parcas
esmolas atiradas para o copo da sua presente expiação. Rodada após rodada da saudade de gordos e respeitosos dízimos, a classe dos formadores de opinião acabou por unir-se no cálice do mesmo patrono, bebendo da mesma fé: o alcoolismo sabático e ortodoxo.

O sucesso era estrondoso, a competição desqualificada por já acusar doping, mas não abrandava sequer para degustar dissabores alheios ou contar o número dos que, de uma ou outra forma, tinha afectado para sempre.

Nada o demovia. Primeiros-ministros descobrindo que ‘ex‘ seria o mantra a recitar até ao fim da vida, cardeais confessando simpatia (em certos momentos consagrados à ciberleitura) por personalidades como Tomás de Torquemada ou Usāmah Bin Lādin, feministas jurando que a testosterona foi a primeira hormona criada após o big bang, generais lendo Bakounin no local de trabalho e envergando t-shirts de Gandhi a fumar cannabis, açougueiros ameaçando imolarem-se dentro de uma salada gigantesca de agriões — não o perturbavam, não tropeçavam o seu desígnio.

Passados dois anos, publicava tanto que o Google teve que criar o 'Índice JF', o Dow Jones da blogosfera. Os molhos das suas ideias já batiam em uso a mostarda da McDonald's e o ketchup da Heinz mas, mesmo assim, recrutou mais duas discípulas para darem novos paladares aos seus vinagretes, agora com travos de hindi e mandarim.

Lembrava os meses pelo número de posts e os dias pela quantidade de ataques de pânico nas vidas dos que ousaram prescindir dele e apareciam agora na TV, balbuciando choros, lacrimejando desculpas, assoando súplicas de sossego.

[A azia era a sua única transigência]



continua algures neste ano ou no outro, ao cair de um post.
dias bons para todos.



The Album Leaf - On Your Way

11/12/2007

João Fatalista (versão blogante - parte I)

João Fatalista era um homem azedo.

Não se sabia porquê.
Sempre fora assim.

A sua desmedida cultura, associada a uma frígida disciplina dos sentidos, permitia-lhe dissertar com sagacidade e destreza sobre a trajectória incerta dum electrão, a sexualidade dos elefantes por altura das monções ou Nietzsche e a estrutura do seu pensamento se tivesse casado.

Era um perorador nato, empolgante, senhor de um léxico capaz de baixar a auto-estima dos melhores dicionários clássicos, manuais de física quântica e enciclopédias de filosofia védica, por atacado.

Durante as circunvoluções das suas intervenções profissionais e sociais, costumava arrancar olés interiores aos discentes e assistentes com a facilidade com que um grande toureiro torneia, como se fossem rosas, os cornos de um touro bravo. No final, recolhia as orelhas ainda coladas às suas palavras e acrescentava à obesa colecção os inúmeros rabos que não hesitavam em dar-se, num salto, para o ovacionar em triunfo.

Há muitos anos que os oráculos da ciência política profetizavam que ele viria a ser, cedo ou tarde, o ministro por quem a república escrevera uma ode ainda por cantar e uma epopeia até agora órfã de herói. Garantiam mesmo que a sua obra seria o sólido galho de partida duma ave predestinada a esplendorosas migrações e que desceria depois onde fosse preciso, como um avatar planetário, para gratidão dos povos.

É verdade que costumavam divergir, aqui e ali, no nome das pastas que apontavam como aquecimento prévio para a sua ascensão plena. Também é um facto que reduziram a pouco mais de meia dúzia os balões de ar quente que João Fatalista – um cérebro global – poderia vir a usar na sua viagem.

Mas não era isso, porém, que causava a falha contínua de todas as suas predições. Mês após ano. O motivo, mais frio e simples, era outro: nunca o chamavam. Dos senhores das torres de controlo do poder jamais chegava um convite. Ano após mês.

Se nos aeroportos da política era assim, nos relvados do saber não era muito diferente: a Sorbonne, Oxford e Harvard já o insinuavam há várias temporadas mas ele, por mistério ou fatalidade, acabava sempre a jogar em casa.

Os seus pressagiados voos até já eram altos - muitas vezes quase sentia o respirar da glória nas alturas - mas acabavam sempre num flácido planar. Jamais adquiriam a excitação final, o impulso que lhe permitiria ejacular-se da gravidade e deixar para trás os efémeros holofotes dos mortais para que, já aliviado do peso do crânio, pudesse expandir a sua mente brilhante rumo ao sol do eterno.

[O azedume subia]

Já que as asas lhe traziam penas e os céus lhe encolhiam os ombros, João pousou a atenção na Terra e planeou torná-la a cortesã insaciável dos seus desejos agora rasteiros. Pensou-a como uma virgem que o aguardava com a impaciência já prostrada no ninho aberto das coxas, a noiva que desde o princípio dos tempos jazia abandonada nos degraus do altar onde implorava pela evolução, onde morreria se não fosse sua esposa.

Decidido, encarou a missão. Sem hesitações na vitória.
Inspirou o despeito a que o ar lhe cheirava. Coçou o ego para a comichão sangrar. Salivou vinagre na boca cerrada. Olhou o futuro estertor dos que ouviu ignorá-lo. E expirou uma estratégia.

Assim nasceu “A Verdade É Amarga”.

Blog de opinião.
Por João Castello Delmonte Fatalista.

[A acidez aterrava]



continua por si num próximo post perto de mim… ou algo assim.
dias bons para todos.


Andrew Bird – Spare-Ohs

30/11/2007

Café com leite

gosto dos "amo-te" que nascem em mim e digo ou escrevo ou não

a certas horas, alguns têm o som de um "bom dia" e enrolam-se de mimo para se destaparem com o desejo dos teus lábios que das cerejas têm a cor e de ti o leite que deixas nos meus quando sou o teu café e fazemos de nós a manhã


[dizer “amo-te” chega
dizeres-me “amo-te” quase sobra

é um pleonasmo que o nosso beijo afoga]

Guillemots - Made-Up Love Song #43

19/11/2007

Um regresso a casa

quando a noite desce fria e um vento embirrento sai
quando o silêncio aparece mas o desagrado do dia, teimoso, não cai lembro o alento quente, o gozo de ti latente e danço o caminhar

avanço abrigado pelo apelo do toque do teu cabelo

apressado pelos teus pés despidos para amar
chego aos coloridos do nosso castelo

na ameia de um olhar revelo a minha fome cheia

jantamo-nos até à ceia


[depois, escrevo palavras
ainda

porque és prendada de linda]



Múm – We Have A Map Of The Piano

09/11/2007

O poeta do digital voice recorder

Tem uma memória excelente.

Alguns dizem até que é prodigiosa e mágica, pelo espanto que pode causar.

Contam-se histórias de como narrou as cores e os factos mais relevantes do baptizado da irmã, tinha ele quase dois anos de idade. Ou da forma como se lembrou dos sinais que o ombro esquerdo da sua amada teria quando nascesse e os apontou um a um, numa noite brilhante de verão, designando a constelação escolhida com o nome que a menina viria a transportar. [Mais tarde, quando questionado sobre tamanha precisão, disse que a memória tem muito a ver com o amor e só um pouco com o tempo, nada havendo de transcendente nesse episódio.]

Às vezes, nos dias em que está mais falador ou com o coração aquecido pelo vinho da felicidade, relata passagens do nascimento de uma criança, dum voo perigoso de um pássaro anónimo, do gemido que a terra faz quando a neve tapa o sol ou da canção de uma onda naufragada num qualquer mar sumido, com facilidade e minúcia perturbadoras.

Foi com surpresa que o encontrei sentado numa esplanada a falar para o que parecia ser um gravador de voz digital. Parou, continuou, parou outra vez. Sacudiu o cabelo para trás com um torcer brusco do pescoço e agarrou-se à sua velha argola puxando a orelha com tal intensidade que receei vê-lo cair da cadeira. Nem o mar, lá atrás, fazia tantos esgares. As suas feições variavam entre uma eventual extrema satisfação e um provável quase desespero enquanto ia carregando agitadamente nos botões do pequeno aparelho.

Talvez tivesse tocado por engano no de pausa porque de repente fez uma cara de menino atrapalhado e descobriu o meu olhar curioso. Acenou-me um sorriso e fez um gesto rápido convidando-me a aproximar.

Conhecemo-nos e somos amigos há muito. Não precisamos trocar cumprimentos formais, nem falar de tempos gastos ou das últimas novidades do mundo e dos homens para nos sentirmos confortáveis. Nunca tivemos necessidade de pôr a amizade em dia. Nasceu quando nos conhecemos e continuará assim, existindo ao sabor dos dias e ao acaso das noites, como um rio que não se preocupa com a paisagem para lá do próximo meandro e olha contente para as margens actuais porque o destino é agora.

Esqueci-me de contar que o meu amigo escreve. A poesia é o seu forte, dizem. Ele não se considera escritor e eu, como seu amigo, respeito-lhe a vontade e chamo-o apenas de artesão de impressões. Refere-se a essa actividade só a espaços, quando partilha pormenores do que sente nos momentos em que nele as palavras desenham aromas e cores. Um dia disse-me que escrever é apenas emprestar música a esses instantes e usufruir da melodia. Eu aprendo muito com o meu amigo e acho que o percebo. Daí, raramente falamos disso.

Fui ter com ele e não contive a curiosidade. Perguntei-lhe porque usava aquele dispositivo e de uma forma tão inquieta. Afinal, era senhor de uma memória intemporal, por certo seria dispensável.

Sorriu-me e depois ficou muito sério. Respondeu que o comprara porque se esqueceu de registar durante toda uma semana os poemas que vivem dentro de si e tinha encontrado a sua mulher e amante de sempre muito triste, na noite anterior. Sentiu-se culpado porque temia que essa fosse a causa dos seus belos olhos castanhos estarem tão pequeninos.

Estava assustado, o meu amigo. Achava que podia ter a memória cansada. O gravador que descobriu enquanto deambulava pelas ruas, tentando esquecer qualquer lembrança da falha de memória, trouxera-lhe algum conforto e a esperança de superar aquilo que ele receava ter sido um primeiro ataque de alzheimer.

Prometi-lhe que a partir daí iria telefonar duas vezes por semana, durante toda a vida, para o recordar de escrever a poesia que o seu amor aguarda, não fosse ele esquecer-se de mudar as pilhas. Pareceu gostar da ideia. Vi o começo de um assobio nos seus olhos.

Separámo-nos depois de o lembrar de pagar as cervejas. Ele riu, com um gargalhar de criança já despreocupada. E disse obrigado enquanto esticava as pernas e espreguiçava os braços todos para trás. [Obrigado, eu. É bom sossegar um amigo.]

De longe, quando me virei, vi-o na praia bem perto do mar. Não distingui nenhum gravador de voz digital nas suas mãos mas pude ver que observava os saltos de um golfinho azul para lá do rebentar das ondas e estou certo que um dia vou saber o que ele lhe estava a contar.



Dire Straits - Why Worry

05/11/2007

De e para um Amigo

“Assim que percebemos a beleza de respirar, como é possível não apreciar isso?

As lágrimas não são sempre de tristeza. Por vezes, as lágrimas são de alegria. E, por vezes, começamos a compreender a diferença. São os primeiros raios de luz a emanarem do coração.

É como o alívio de um viajante quando vê o seu destino. É como o alívio que um girassol sente quando o sol se levanta. É a sensação de alívio por chegar a casa. A sensação de alívio de encontrar o que se procura e, num instante, ficar a saber: "É isto! É isto que eu procurava."

É como o alívio que uma criança sente quando está perdida numa feira, a chorar, e vê a mãe ou o pai. De repente, ela deixa de ter razão para chorar. E a tristeza torna-se alegria.”

Maharaji


Deixo-vos com um pouco da música que Bismillah Khan libertou neste mundo, num registo que me acordou memórias de um dia bonito e em que improvisou sons do seu coração para Prem Rawat (Maharaji), um Amigo meu.

Um dia bom. Uma semana boa. Uma vida viva.

Ustad Bismillah Khan - Improviso

26/10/2007

Tradição quebrada

Apeteceu-me fazer o que sempre evitei: traduzir poesia. O poema de E. E. Cummings é bastante conhecido e há várias traduções. Algumas boas, algumas não. A minha é apenas agradecida ao poeta e a quem me faz sentir o poema vivo em mim.


E. E. Cummings - Lovers in woods at water's edge

*

i carry your heart with me (i carry it in
my heart) i am never without it (anywhere
i go you go, my dear; and whatever is done
by only me is your doing, my darling)
i fear

no fate (for you are my fate, my sweet) i want
no world (for beautiful you are my world, my true)
and it's you are whatever a moon has always meant
and whatever a sun will always sing is you

here is the deepest secret nobody knows
(here is the root of the root and the bud of the bud
and the sky of the sky of a tree called life; which grows
higher than the soul can hope or mind can hide)
and this is the wonder that's keeping the stars apart

i carry your heart (i carry it in my heart)

*
trago comigo o teu coração (trago-o no
meu coração) nunca estou sem ele (onde quer
que eu vá tu vais, minha querida; e o que quer
que seja feito só por mim é obra tua, minha amada)
não receio

destinos (porque tu és o meu destino, meu doce) não
quero mundos (porque linda tu és o meu mundo, minha verdade)
e tu és o que quer que a lua sempre significou
e o que quer que um sol sempre cante és tu

eis o mais profundo segredo que ninguém conhece
(eis a raiz da raiz e o rebento do rebento
e o céu do céu de uma árvore chamada vida; que cresce
mais alto do que a alma pode esperar ou a mente pode ocultar)
e esta é a maravilha que mantém as estrelas separadas

trago comigo o teu coração (trago-o no meu coração)

E. E. Cummings



Editado em 04/12/2008. Muito, muito tempo depois.

Em vez de "...ou a mente pode esconder" parece-me melhor usar "...ou a mente pode ocultar". Talvez "esperar/ocultar" fique mais próximo do brincar de palavras original "hope/hide". Talvez...


David Bowie - Absolute Beginners

23/10/2007

Metafísica brejeira? Não, é uma...

*

descrição fugaz quase religiosa e em formato popular de um espreguiçar sexual num virar do sono




o visionário ficou alerta
“que linda luz, será divina?”

era teu santuário com a porta aberta
e fiz truz-truz
em ti menina

Ben Harper - Sexual Healing

16/10/2007

Olá! Dia bonito, não está?

Na manhã dos teus anos,

um pássaro cumpriu o destino e acordou-me para ouvir as ondas esfregarem-se ansiosas dos teus pés para molhar. O sol nasceu incerto das cores a dar ao céu por não saber que tons de roupa ias usar. O vento enlevado por te ver nua jurou assobiar aragens suaves de levante para te inebriares até ser lua comigo o teu amante.

Marc Chagall - Bride



John Mayer - Your Body Is A Wonderland

04/10/2007

Um 'até já' mais pousado

*
Que pobre é o coração que não sabe amar,
que não pode embriagar-se de amor!
Se não amas, como explicas a luz inebriante do sol
e a mais leve claridade da lua?

*
Além da Terra, pelo Infinito,
procurei, em vão, o Céu e o Inferno.
Depois uma voz séria disse-me:
"O Céu e o Inferno estão em ti."

*
Como o rio, ou como o vento,
vão passando os dias.
Há dois dias que me são indiferentes:
o que foi ontem, o que virá amanhã.

*
Cristãos, judeus, muçulmanos, rezam,
com medo do inferno; mas se realmente soubessem
dos segredos de Deus, não iam plantar
as mesquinhas sementes do medo e da súplica.

*
Quando me falam das delícias que na outra vida
os eleitos irão gozar, respondo:
Confio no vinho, não em promessas;
o som dos tambores só é belo ao longe.

*
Se em teu coração cultivaste a rosa do amor,
quer tenhas procurado ouvir a voz de Deus,
ou esgotado a taça do prazer,
a tua vida não foi em vão.

*
Alguns sábios da Grécia sabiam propor enigmas?
É absoluta a minha indiferença por tanta inteligência.
Dá-me vinho, minha amiga; deixa-me ouvir o alaúde,
olha como lembra o vento que passa, como nós.

*
Nunca rezei nos templos, mas antes
ainda sentia uma ténue esperança.
Agora gosto de me sentar lá;
aquela sombra é propícia ao sono.

*
Cansado de perguntar aos sábios, perguntei à taça:
para onde irei depois da morte?
Ela respondeu-me baixinho: “Bebe em minha boca,
bebe longamente. Não voltarás.”

*
A aurora encheu de rosas a taça do céu,
e o último rouxinol canta o seu meigo canto;
e ainda há quem pense em honras e glórias...
Vem, menina... que sedosos são os teus cabelos...

Omar Khayyam


Estes são os meus preferidos Rubaiyat de Omar Ibn Ibrahim El Khayyam, que nasceu na Pérsia em 1040 e viveu até 1120. Foi matemático, astrónomo e Poeta. Rubaiyat é o plural de ´rubai´, palavra persa que significa quarteto ou quadra (e quaternário, também) e dá nome a uma compilação da poesia de Omar Khayyam.

A tradução é de
Alfredo Braga (a melhor que conheço) e se clicarem no nome, para além de todos os Rubaiyat, encontrarão um texto interessante sobre esta obra. Fiz apenas dois ou três ajustes que mereciam a pena, de acordo com o meu olhar e sobretudo com o meu sentir. Desculpem a eventual cegueira; do sentir não me arrependo.

Após este palavreado todo, aproveito para vos desejar uns dias bons até 15 de Outubro, ou algo assim, já que o blogário (escriturário de blog, em portubloguês) vai deslocar-se para sudoeste, tendo por missão a tarefa leve de continuar a saborear a Vida e partilhá-la com quem Ama.

Ah! Como sei que vão sentir a minha falta — e a falta da habitual média de 48 posts diários pode deixá-los com uma sensação de abandono — preparei uma playlist com os sons que fui deixando por aqui desde o início, no já remoto ano de Maio último. Deixei-a no fundo da página. Caso apeteça.

As músicas estão todas lá, excepto a de hoje porque a escolhi agora mesmo. Não se assustem: não é música para uma qualquer dança Dervish. Será ela um pouco corny? Sim, posso concordar. Talvez. Às vezes. Mas que mal há nisso quando soa bem ao coração e azula o olhar de turquesa?

Um 'até já' mais pousado. Fiquem bem.

Michael Bublé - Everything

26/09/2007

Sonho cumprido

Quando era pequeno e as cores falavam nos meus olhos e todo o vento era música e cada brincadeira uma dança e cada palavra de amor um cabelo da tua trança ainda a ser tecida nos céus, sonhei que quando grande era feliz e nunca esperava muito pelo teu olhar.

Múm – Green Grass Of Tunnel


Os Múm são uma banda islandesa que acabou de editar (há dois dias) o seu último álbum “Go Go Smear The Poison Ivy”. Espreitem o vídeo, vale mesmo a pena. Mesmo.

As Amiina são quatro fadinhas, também islandesas, que vou ter o prazer de ver na próxima semana, na Casa da Música, no Porto. Costumam acompanhar os Sigur Rós em concertos e em estúdio. O seu álbum “Klurr” saiu em Março deste ano.

Apesar de ter pouco mais de 300 mil habitantes, a música da Lýðveldið Ísland está longe de ser só Björk. E eu agradeço: takk!


Amiina – Seoul

25/09/2007

Título? É tarde... Boa noite! Falamos amanhã?

E. E. Cummings - Surf: North Africa

While you and i have lips and voices which
are for kissing and to sing with
who cares if some oneeyed son of a bitch
invents an instrument to measure Spring with?


Enquanto tu e eu tivermos lábios e vozes que
servem para beijar e cantar
que importa que um qualquer limitado filho da mãe
invente um instrumento que sirva para medir a Primavera?

E. E. Cummings

Lavender Diamond - Open Your Heart

[Com um agradecimento especial ao Pedro Esteves e ao seu lado B que continua a oferecer excelentes horas de "novos sons para outros ouvidos". Programas que aconselho vivamente a quem gosta de Música, não lhe pôe etiquetas e procura o que de novo se vai criando por esse planeta. Com uma pitada de memórias, aqui e ali, do que vai ficando rodopiado no esquecimento dos dias. Um local diferente. Os sons são limpos: mergulhem à vontade. Se gostarem da temperatura da água, é claro...]

18/09/2007

Boa viagem

hoje
que não te posso adormecer
desejo que atravesses a noite
com o som das ondas
que roubei de um beijo nosso
e escondi na tua almofada

hoje
que estou longe
dei ao sol uma licença de sono
e deixei para despertares
a luz que trago nas mãos
desde que te afaguei os cabelos
na primeira manhã


[viaja sem cuidados
o nosso Abraço é seguro

espero-te no primeiro olhar do dia]



Sigur Rós - Glósóli

13/09/2007

Sucedâneo de um poema erótico encomendado

pediste-me para parar
tomar o pequeno-almoço
ver o tempo para hoje

pediste-me para
"sei lá... já sei!"
escrever um poema erótico


que ocupasse os dedos aí

que tinhas uma reunião de trabalho

que eu era mau

que não sabias porque falavas

que me querias no teu corpo

que eu era bom

que me amavas mas tinhas de ir

que não devia dizer-te "vai"

que não devia dizer-te "vem"

que eu era bom e mau

que nunca sabia esperar até logo

que a culpa era do duche da manhã

que eu não devia secar o teu corpo assim

que temos uma semana perto só para nós

que eu era muito mau e feio e

que NÃO devia fazer isso ao teu peito

que me batias se parasse

que eu era lindo


depois vi-te vestir
arranjei-te a saia e o cabelo
enrolaste na boca o meu sorriso
(guardei a tua saliva para pequeno-almoço)

e foste trabalhar


[aqui jaz o sucedâneo do teu pedido]


Muse - Invincible

06/09/2007

Quando o amor foi dormir

o turquesa e cereja dos céus
eram já meus

pedi para me fechares os olhos
no castanho dos teus



The Softlightes - Heart Made Of Sound

30/08/2007

Escolhas

Quis acabar com o embaraço público da minha preguiça - tantos dias exposta e aninhada em ausência – e tentei escolher um poema, um texto. Mas não me apetece ler para escolher.

Imaginei, depois, estender frases sobre um tema qualquer:

actual, surrealista, ancestral, futurista;
marítimo, idiota, legítimo, patriota;
exagerado, anedótico, moderado, caótico;
vivido, falado, sentido, pensado;
religioso, espiritual, curioso, banal;
desportivo, gastronómico, apelativo, económico;
fantástico, evitável, sarcástico, criticável;
inocente, internético, indecente, frenético;
fatalista, leve, moralista, breve;
profundo, aéreo, meditabundo, venéreo;
angélico, sexual, gaélico, musical;
arrogante, guerreiro, celebrante, derradeiro.

Mas não me apetece imaginar qual escolher.


Hoje – não me levem a mal - escolho o silêncio.

[final]



Norah Jones - Sunrise

25/08/2007

A Poesia e a Dona Prosa


Afastei-me de ti para ir buscar uma cerveja ao frigorífico e, de repente, senti um ataque do que me pareceu ser Poesia.
Era mais massivo que os habituais: os que apenas interrompem caminhos que ando ou coisas que faço, com maior ou menor tranquilidade.
Foi fulminante. Insinuou-se-me como uma baforada de ópio saída do vento e, no segundo a seguir, transformou-se num fogo de mil palavras em artifício. Brilhavam muito, todas com as letras a piscar, e acabaram a sereiar-me aos ouvidos: “Somos tuas, todas tuas… Que mãos bonitas, quentes! Vem!”

Mas algo não batia certo: tinha as mãos geladas da garrafa. Resisti e para me proteger, para não ficar preso, corri rápido para dentro.


e olhei-te
vi o teu sorriso
encostei o meu corpo ao teu
a música dos teus olhos é tão linda que comecei a dançar-te de novo


Depois de um novo sossegar, quando o pensamento se sacudiu outra vez percebi que não tinha sido a Poesia a atacar-me. Ela não se manifesta assim: fingida, vaidosa, orgulhosa do brilho rápido e certa de conquistas fáceis.
Era a Prosa, disfarçada.


tu, meu amor, tu és a Poesia
porque de ti não quero fugir
porque bebo com sede o sal da tua boca
porque fico com mais sede depois
porque somos um sabendo que somos dois
porque somos livres

[os amantes são livres porque são cativos apenas do que não tem grades]

nós, meu amor, nós somos a Poesia


Vá, vá, Dona Prosa, tente mais tarde.
Eu até simpatizo consigo mas porte-se bem.
Não seja chata...


Broken Social Scene - Pitter Patter Goes My Heart

21/08/2007

Com ou sem cerveja

Bastava-nos amar. E não bastava
o mar. E o corpo? O corpo que se enleia?
O vento como um barco: a navegar.
Pelo mar. Por um rio ou uma veia.

Bastava-nos ficar. E não bastava
o mar a querer doer em cada ideia.
Já não bastava olhar. Urgente: amar.
E ficar. E fazermos uma teia.

Respirar. Respirar. Até que o mar
pudesse ser amor em maré cheia.
E bastava. Bastava respirar

a tua pele molhada de sereia.
Bastava, sim, encher o peito de ar.
Fazer amor contigo sobre a areia.


Joaquim Pessoa



The Kooks - Seaside

17/08/2007

Indiscrição

entrei pelos teus olhos
para ver como estavas

sacudi nuvens
lavei mentiras
arejei a confusão
sequei lágrimas
fiz café para o teu sono

deixei-te no coração
mais uma turquesa
para a tua colecção

e saí

[lembrei-me do dia
em que disseste
que não sabia cuidar de mim]

táxi!

siga a maresia
por favor


Coldplay - Fix You

14/08/2007

Sobre o post anterior...

Pois é, João Fortunado, como disse a Nela, são os sons que (me) seduzem e cativam nestas criações genuínas do Jorge de Sena. Mas não é só a musicalidade. Como neste caso, o meu preferido dos “Quatro sonetos a Afrodite Anadiómena:

III

URÂNIA

Purília emancivalva emergidanto,
imarculado e róseo, alviridente,
na azúrea juventil conquinomente
transcurva de aste o fido corpo tanto...

Tenras nadáguas que oculvivam quanto
palidiscuro, retradito e olente
é mínimo desfincta, repente,
rasga e sedente ao duro latipranto.

Adónica se esvolve na ambolia
de terso antena avante palpinado.
Fimbril, filível, viridorna, gia

em túlida mancia, vaivinado.
Transcorre uníflo e suspentreme o dia
noturno ao lia e luçardente ao cado.

Jorge de Sena



Este, e os irmãos, foram discutidos por académicos (incluindo matemáticos) e sujeitos a intermináveis horas de investigação por mentes iluminadíssimas. Foram atirados para inúmeras teses de mestrado e doutoramento. Colaram-lhes
variadas conclusões e lançaram mais ideias para... futuras conclusões. E só os deuses do fastio sabem o que lhes fizeram mais...
Não é que isso seja pecado: também gostei de brincar com 'lego', coleccionei cromos do Benfica, bandeirinhas de todos os países e excitei-me com a física quântica (e matrizes, adorava cálculo matricial... ah! as matrizes...).
Mas, que culpa tem o Jorge de Sena?
Pois. Nenhuma...

No "Colóquio sentimental em duas partes", continuo a descobrir/inventar muitos diálogos. E divirto-me.

Se algum é parecido com o que ele nos deixou, não sei; mas não me parece que Jorge de Sena ficasse triste com os meus eventuais adultérios... Se há promiscuidade saudável, é a da palavra livre - que cria sons, cores e imagens sempre diferentes - que não está sujeita ao peso dos conceitos e deixa mais leve a imaginação e os sentidos. Permitindo viagens diferentes. Não é assim que é, afinal, no país da Poesia?

Para mim, estes sons pintados por Jorge de Sena são bonitos de ler. S
empre que olho para eles. Só isso.


Um dia bom para todos.




Nick Cave - (Are You) The One That I've Been Waiting For?

12/08/2007

Da minha longa noite de sábado...

“Colóquio sentimental em duas partes”

I
Tronchela adúvia corimata, que tuestes dilasta anquinudante,
furiça astria dova, retinuta, e quis? Nonória. A tutimão periva
a turidarta influva. Azis? Nocónia. Dimirita, aluina, dúria - oh
comisalva apene. Friscórida. Buliva? Nem ninúria. Que dívia alperidasta clido! Flara:
- Dumeste andorta oroladiara?
- Clande.
- I tru laridolosta zanque?
- Diata.
- Dileste me tisalva.

Aliara doriçara, tigorimenos. Erclusa atrisca duridanta,
merifluamos róvia. Diloguidermos:
- Verida turimana...
- Ciciarva...
- Ablera, ablera, diata.
- Anstria...
- Narva, adiarda, funje...
- Cerida!
Estuta. Nonôra dimirata.


II
Anaridassa, contrimat atuva, anadiramo trévia palpirada. Dimitidana flurionca fliva. Mês conquiritanta nim puore avri discrote, undiva aspranca fara, alima gêntia assunta etrétia i
vanta. Diloguidermos:
- Memorta oroladiara?
Nunda siventa ura pradona.
- Ovi trasida medirenta?
- Niata.
- Clito...
- Niata ciciarva anstria.
Arnuda transparara instívio. Impossidanta. Despridova, despridima, deses cara. Anfúria?
Estruta dimirasta.

Jorge de Sena


Lou Reed - Satellite of Love

05/08/2007

Da minha tarde...

Quando pela primeira vez
ouvi falar de uma história de amor,
comecei a procurar por ti
sem saber o quanto estava cego.

Definitavamente os amantes
não se encontram
em algum lugar.

Desde o início estiveram
um dentro do outro.

Jalālu'd-din Rūmī




Joanna Newsom - Clam, Crab, Cockle, Cowrie

03/08/2007

Crónicas de um verão no hemisfério norte

Levantei-me devagar. Sem o habitual movimento rápido. "Um flic-flac muito jeitoso para os 40", disse alguém um dia, para descrever aquilo a que chamo apenas "saltar da cama".


1º pensamento do dia: “sumo gelado de manga”;


2º pensamento do dia: “a casa de banho está perto da camisa de ontem” (a dislexia ataca-me forte ao acordar; não confio na dualidade esquerda/direita);

3º pensamento do dia: “o hoje passa bem sem os meus pensamentos; e eu também.”


Necessidades serenadas, reparei no exterior que se encostava insinuante a uma janela toda aberta e atravessei-o com o pescoço.
A meia manhã estava tranquila de sol e espreguiçava-se de agosto, com um pouco de luxúria. Pessoas passavam aqui e ali, ainda um pouco embaciadas pelo meu esquecimento de passar água na cara. O barulho dum carro mais excitado tentou escorregar para dentro dos meus ouvidos e atirei-o para o vidrão, lá em baixo, com o olhar. Os pombos interromperam o sexo - que insistem em fazer na minha varanda - e fugiram com um uivar alado de surpresa.

Não foi preciso ir à internet para verificar que o mundo continuava a existir no mesmo local que eu. Fiquei satisfeito com isso. Agradeci à Vida e fui passear com ela por um bocado sem tempo. A sós.


[Estava quente lá fora mas estava fresco cá dentro.
Foi-nos dado à nascença, e de graça, uma espécie de ar (não) condicionado, interno e privado, que nos deixa na temperatura ideal. E não precisa de comando.
Uma vez mais fiquei pasmado e quieto, como uma criança que sempre se surpreende com o orvalho que a noite deixa para a luz beber.]


Depois, as necessidades voltaram: deu-me fome. Muita fome.

Não aquela fome que me faz pensar nos estômagos como peixinhos estúpidos de aquário, com as boquinhas abertas para cima, à espera dos floquinhos que fazem sombrinhas na superficiezinha; e que se satisfazem após pequenos 'abrir e fechar' de mandibulazinhas (se é esse o nome das coisinhas...); e se sacodem numa espécie de orgasmozinho gluglu; e vão depois guelrear às voltinhas; e nadar mais uns circulozinhos, interrompidos apenas para ligeiros... arrotinhos.

Não.

Hoje, o meu estômago estava com cara de piranha do amazonas e com os dentes todos à mostra. Quase me assustou e decidi então apressar-me até ao outro lado da casa, onde guardo os sólidos. Mas bruscamente, por instinto, decidi voltar atrás e abrir as colunas que não deixavam passar a música. Porque sim. E até para mostrar à dentuças que um ser humano pode ser bravo e indomável. Que esperasse...

Power on. Fui comer.
Com um sorriso de manguito para todos os monstros deste mundo.


Não podia ainda pressentir as aventuras que me esperavam nas paisagens de um dia que de 24 só teve os anos que durou…



(continua. não sei quando ou em que forma. ou se volto inteiro. mas sei que são aventuras. é feio ser mentiroso!)




R.E.M. - Nightswimming

02/08/2007

Confidência(s)

Diz o meu nome
pronuncia-o
como se as sílabas te queimassem os lábios
sopra-o com a suavidade
de uma confidência
para que o escuro apeteça
para que se desatem os teus cabelos
para que aconteça

Porque eu cresço para ti
sou eu dentro de ti
que bebe a última gota
e te conduzo a um lugar
sem tempo nem contorno

Porque apenas para os teus olhos
sou gesto e cor
e dentro de ti
me recolho ferido
exausto dos combates
em que a mim próprio me venci

Porque a minha mão infatigável
procura o interior e o avesso
da aparência
porque o tempo em que vivo
morre de ser ontem
e é urgente inventar
outra maneira de navegar
outro rumo outro pulsar
para dar esperança aos portos
que aguardam pensativos

No húmido centro da noite
diz o meu nome
como se eu te fosse estranho
como se fosse intruso
para que eu mesmo me desconheça
e me sobressalte
quando suavemente
pronunciares o meu nome

Mia Couto




Dead Can Dance - Desert Song

30/07/2007

Metade saudade metade encontro

Björk - Unravel



Mulher

Metade mulher metade pássaro
Metade anémona metade névoa

Metade água metade mágoa
Metade silêncio metade búzio

Metade manhã metade fogo
Metade jade metade tarde

Metade mulher metade sonho


Jorge Sousa Braga




Nick Cave - Into My Arms

24/07/2007

Ouçam...


Tenéis que oírme

Yo fui cantando errante,
entre las uvas
de Europa
y bajo el viento,
bajo el viento en el Asia.

Lo mejor de las vidas
y la vida,
la dulzura terrestre,
la paz pura,
fui recogiendo, errante,
recogiendo.

Lo mejor de una tierra
y otra tierra
yo levanté en mi boca
con mi canto:
la libertad del viento,
la paz entre las uvas.

Parecían los hombres
enemigos,
pero la misma noche
los cubría
y era una sola claridad
la que los despertaba:
la claridad del mundo.

Yo entré en las casas cuando
comían en la mesa,

venían de las fábricas,
reían o lloraban.

Todos eran iguales.

Todos tenían ojos
hacia la luz, buscaban
los caminos.

Todos tenían boca,
cantaban
hacia la primavera.

Todos.

Por eso
yo busqué entre las uvas
y el viento
lo mejor de los hombres.

Ahora tenéis que oírme.


Pablo Neruda




Andrew Bird - Tables & Chairs

"... there will be tables and chairs
pony rides and dancing bears
there'll even be a band
'cause listen after the fall there'll be no more countries
no currencies at all
we're gonna live on our wits
throw away survival kits
trade butterfly knives for adderal
and that's not all
woah!
there will be snacks, there will
there will be snacks!"

19/07/2007

Olá!

A diferença que há entre os estudiosos e os poetas
é que aqueles passam a vida inteira com o nariz num assunto
a ver se conseguem decifrá-lo, e estes
abrem o livro, lêem três páginas, farejam as restantes
(nem sequer todas) e sabem logo do assunto
o que os outros não conseguiram saber. Por isso é que
os estudiosos têm raiva dos poetas,
capazes de ler tudo sem ter lido nada
(e eles não leram nada tendo lido tudo).
O mal está em haver poetas que abusam do analfabetismo,

e desacreditam a gaya Scienza.

Jorge de Sena




E porque a Poesia e a Música partilharam o mesmo útero e foram sopradas para a Vida ao mesmo tempo que o Homem, deixo hoje também, no vosso blogalow, os Tinariwen. O nome quer dizer "desertos" e são tuaregues do nordeste do Mali. Mas preferem ser chamados de Imajeghen ("homens livres").

Foi bom partir por uns dias. É bom regressar por outros tantos.
Um resto de dia bom.


Tinariwen & Carlos Santana - Matadjem Yinmixan


P.S. - Descobri o FineTune e, para testar, adicionei uma playlist lá no fundo. Parece funcionar bem, apesar de não gostar da skin e só arrancar em shuffle. Enfim, não é perfeita mas é o melhor que encontrei até agora. Depois organizo outras, conforme as cores do momento. Caso tenham interesse, podem dar uma "ouvidela". Abraço.

12/07/2007

Verão



Mesmo que não conheças nem o mês nem o lugar
caminha para o mar pelo verão

Ruy Belo



Manu Chao - Rumba de Barcelona

09/07/2007

Título por inventar. Deixo-o à vossa mercê...


A felicidade sentava-se todos os dias no peitoril da janela.

Tinha feições de menino inconsolável.
Um menino impúbere
ainda sem amor para ninguém,
gostando apenas de demorar as mãos
ou de roçar lentamente o cabelo pelas faces humanas.

E, como menino que era,
achava um grande mistério no seu próprio nome.

Jorge de Sena




Vinicius de Moraes & Toquinho - Tarde Em Itapuã

05/07/2007

Um 'boa noite' mais longo

Digam adeus. Muitos são amigos meus...


Charananand - Always



Muito obrigado a todos pela visita e pelos variados comentários. Na verdade, para comemorar a vossa presença e estadia, acabei agora mesmo de vos baptizar - passaram a ser "opinólogos". Espero que gostem. :))

E sim, joni du lac, incluo-o também nos meus sorrisos, apesar de ter entrado por aqui qual Lancelot em patins de linha e se ter esquecido de ler a "Constituição do Vasant Utsav"... Admito que iria ter alguma dificuldade em fazê-lo, já que (ainda) não a escrevi - poderá até usar esse pequeno pormenor em sua defesa - mas isso não impede que lhe faça um pedido: por favor, refreie-se na forma como se dirige a outros usuários deste 'blogalow' que apenas se preza de ser confortável e nada mais. Use o bom senso e deixe a má disposição à entrada, ou traga-a para dentro e deixe-a dissipar-se em silêncio. Assim, continuarei a manter a porta aberta, com todo o prazer, para o seu lago.



Este espaço não é diferente nem igual a outros. Não é original ou vulgar. Não pretende chegar a nenhum lado nem ficar quieto. Não é oriental ou ocidental. Não tem laivos de supergenialidade - se os teve, deveram-se a Mia Couto, aos Monty Python e ao Gecko Turner, eu desisti por volta dos 12 anos de idade - nem de pretensiosismo porque... me dá bocejos ter essa pretensão.




Acresce que este local poderá mudar de nome e de layout a qualquer altura mas não se desviará um milímetro da rota que ele próprio me traçou: o de não ter direcção ou sentido. As viagens começam e prolongam-se no Estar.



Para bruxulear verdades e iluminar mentiras, há já demasiadas lamparinas neste mundo. Algumas, fingindo humildade, etiquetam-se de faróis. Outras, cegas de certezas, chegam a achar-se sóis. Como eu gosto de respirar e dançar ao ritmo de Vasant Utsav, aceitei dele o mapa em branco e segui o seu fluir livre, sem destino. Não custa nada e sabe TÃO bem. :)

Nem de propósito! Tinha-me quase esquecido de dizer, a quem perguntou há uns tempos atrás, o que estas palavras significam. E eis que assim, naturalmente, quase sem ser necessário, a ocasião chegou. Sem barulho ou mistério.

Vasant Utsav, numa tradução muito privada e não literal, quer dizer 'festejar o interior' (e saborear o exterior). Celebrar, desfrutar a Vida.
Para quem preferir a literalidade, significa celebração/festa durante o período d@ florir/primavera. Mais ou menos isto... ;)


Abraço para quem é de abraço. Beijo para quem é de beijo. Uma noite e dia óptimos para todos.


Sim... Para ti também, Mundo. :)




Post Scriptum - Instalei uma primeira playlist lá ao fundo. Parece, por vezes, funcionar aos soluços mas trabalha. Em breve vou tentar saber se o problema é dos servidores IMEEM ou da minha natural azelhice. Peace & Bliss. Fui.


02/07/2007

Fábula & Filosofia - o que trouxe da rua, num só dia.

Um macaco passeava-se à beira de um rio, quando viu um peixe dentro de água. Como não conhecia aquele animal, pensou que estava a afogar-se. Conseguiu apanhá-lo e ficou muito contente quando o viu aos pulos, preso nos seus dedos, achando que aqueles saltos eram sinais de uma grande alegria por ter sido salvo. Pouco depois, quando o peixe parou de se mexer e o macaco percebeu que estava morto, comentou - que pena eu não ter chegado mais cedo!


Mia Couto




Monty Python - International Philosophy: Germany vs Greece





Gecko Turner - En La Calle / Na Rua / On The Street


28/06/2007

Procura / Encontro



Passo e amo e ardo.
Água? Brisa? Luz?
Não sei. E tenho pressa:
levo comigo uma criança
que nunca viu o mar.

Eugénio de Andrade


John Butler - Ocean



25/06/2007

Orações


Ladaínha

Concha perfumada
Pórtico real
Princesa das flores
Porta misteriosa
Pérola vermelha
Coração de peónia
Pegada de gazela
Pórtico de jade
Palácio de púrpura
Delta negro
Pote de mel
Botão de lótus
Gruta de canela
Porta alada
Flor da lua

Rogai por nós

Jorge Sousa Braga


Steve Vai - Whispering A Prayer

23/06/2007

Bom dia


Amadou Bagayoko, Mariam Doumbia & Manu Chao - Sénégal Fast-Food

Boa noite


Noir Désir - Le Vent Nous Portera

20/06/2007

Lembrança

escrevo porque estás a dormir
escrevo porque é bom sentir

(vou desenhar poucos caracteres, no entanto;
podia acordar-te entretanto)

dorme meu amor…

e mais logo desperta
com a minha mão no teu peito
e a janela do teu olhar aberta
para o nosso leito

escrevo nada,
escrevo tudo
escrevo sem ter nada de todo para dizer
escrevo, contudo...
escrevo com querer

escrevo porque te abraço
escrevo porque estou triste e contente
escrevo porque amo em mim o teu espaço
escrevo porque… ora sente...

há cartas de amor assim
escritas de ti para mim



Joe Satriani - Always With Me, Always With You

14/06/2007

Cidade

Hemos llegado a una ciudad sagrada.
Preferimos ignorar su nombre:
Así le podemos dar todos los nombres.
No encontramos a quién preguntar
Por qué estamos solos en la ciudad sagrada.
No conocemos qué cultos se practican en ella.
Sólo vemos que aquí forman un solo filamento
El hilo que une toda la música del mundo
Y el hilo que une todo el silencio.


No sabemos si la ciudad nos recibe o nos despide,
Si es un alto o un final del camino.
Nadie nos ha dicho por qué no es un bosque o un desierto,
No figura en ninguna guía, en ningún mapa.
Las geografías han callado su ubicación o no la han visto.

Pero en el centro de la ciudad sagrada hay una plaza
Donde se abre todo el amor callado
Que hay adentro del mundo.
Y sólo eso comprendemos ahora:
Lo sagrado
Es todo el amor callado.

Roberto Juarroz


Norte, norte, norte do Rajasthan (2007)

10/06/2007

Sobremesa

Acabei agora de comer
um campo de tulipas
Não sei o que fazer
com tanta beleza nas tripas

Jorge Sousa Braga

Domingo de Doses Duplas a Dobrar IV / IV



Talking Heads - This Must Be The Place (Naive Melody)

Domingo de Doses Duplas a Dobrar III / IV



Talking Heads - Once In A Lifetime

Domingo de Doses Duplas a Dobrar II / IV



B-52´s - Planet Claire

Domingo de Doses Duplas a Dobrar I / IV



B-52´s - Private Idaho

08/06/2007

Com som



Sade Adu - Your Love is King

Sem som

Re(li)gata

Quando em lugar de feltro é de barro de Outubro
o calor interior das coxas habitadas
Quando a língua é um barco avançando no escuro
de um canal de Corinto entre pardas escarpas
Quando o cheiro do Mar se desdobra em veludo
Quando rompe na boca o mistério das algas
Quando em baixo o teu pé a triturar-me o surdo
perímetro do sexo encontra a madrugada
Quando mais se aproxima a náutica do culto
Quando mais o altar se mostra navegável
Quando mais eu descubro e restauro e misturo
na crista litoral de súbito ampliada
o ritual do grito o ritual do cuspo
e vês que ninguém mais merece esta homenagem
é que enfim te possuo é que enfim te reduzo
a uma luva uma esponja uma deusa uma nave

David Mourão-Ferreira

05/06/2007

Acerca de um barco?...

Early in the day it was whispered that we should sail in a boat, only thou and I, and never a soul in the world would know of this our pilgrimage to no country and to no end.

In that shoreless ocean, at thy silently listening smile my songs would swell in melodies, free as waves, free from all bondage of words.

Is the time not come yet? Are there works still to do? Lo, the evening has come down upon the shore and in the fading light the seabirds come flying to their nests.

Who knows when the chains will be off, and the boat, like the last glimmer of sunset, vanish into the night?

Rabindranath Tagore

Nota - Traduzido do Bengali pelo autor; desculpem estar em inglês mas as versões que conheço na nossa língua são razoavelmente más e eu nunca traduzirei poesia. Mesmo que pareça fácil... É promessa de nascença. :-)

Algures no estado de Orissa, Índia

Da vida das guitarras III



Shakti - La Danse du Bonheur

John McLaughlin (guitarra), Zakir Hussain (tabla), U. Shrinivas
(bandolim) e V. Selvaganesh (kanjira, ghatam e mridangam)


Da vida das guitarras II

Paco de Lucía - Entre Dos Aguas

Da vida das guitarras I


Nuno Bettencourt - Midnight Express

04/06/2007

Da Música II

Dead Can Dance - Toward the Within (Don´t Fade Away)

Boas-noites.

Da Música I


Dead Can Dance - Toward the Within (Rakim)

30/05/2007

Do Silêncio II

Claude Monet - Impression, soleil levant

Do Silêncio I


This Mortal Coil - Song To The Siren

28/05/2007

Com título

[Allegro assai e molto cantabile]

obscura de sol
ébrio de água
criámos uma seita

secreta como o mar nosso deus zeloso
eu velo pelo teu olhar
tu permites-me esse gozo

és a minha pagã
a ti fui consagrado
comemos da mesma romã
extinguimos o pecado

ocultos na claridade
viver contigo não cansa
amanhecemos pela tarde
a noite é a nossa dança

tu e eu criámos uma seita

só de nós dois

não é perfeita?


Pôr do Sol em Haryana (2007)

23/05/2007

Sem título

Não basta abrir a janela

Para ver os campos e o rio.

Não é bastante não ser cego

Para ver as árvores e as flores.

É preciso também não ter filosofia nenhuma.

Com filosofia não há árvores: há ideias apenas.

Há só cada um de nós, como uma cave.

Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;

E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,

Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.

Alberto Caeiro






20/05/2007

A manhã vai nascer em breve

E lembrei-me de uma outra manhã, em Bantoli, no Jharkhand. Resolvi fazer um post, por gulodice: as gotas de cor que caíram nesse dia eram feitas do mesmo ar que saboreio de momento e apeteceu-me prolongar a refeição, antes de ir dormir.




Que ar? Um ar que é o mesmo lá, na Austrália, aqui no Porto ou noutro lugar qualquer. Um ar que deixa o coração quente e a alma desperta. O ar de quem pára e respira e repara que a Vida é algo de muito precioso, muito mágico. O ar que me faz sentir muito pequenino e grato. E livre.

É sob a influência desse ar que postarei. Ao acaso. Sem rumo. Postarei, postarei, até que o blog me doa.




Nesse ar os "porquês" param. Existem apenas respostas que clareiam e divertem o Olhar, que resolvem perguntas que não chegaram sequer a ser formuladas. Porque não podiam ser formuladas... Ou acreditam que a imaginação humana é realmente ilimitada? Eu não. Ora vejam:
Se estiver muito calor e tiverem muita sede - a boca já desértica, o oásis da saliva há muito seco - e se olharem para uma garrafa de água (pode ser de litro) e imaginarem que a estão a beber, acham que a sede vai passar? Pois... A imaginação é finita e por si só não existe. Tal como a escuridão:

Um dia, alguém foi contar ao Sol que a Noite estava muito zangada porque, sempre que ele aparecia, ela tinha que partir, tirando-lhe assim o direito a existir. Não fosse ter pele sensível e o médico ter-lhe pintado um quadro negro quando lhe diagnosticou apetência para contrair enxaquecas por alturas do verão e ela já teria ido, pessoalmente, tirar satisfações. O Sol ficou apenas surpreso e disse: "Quem é a Noite? Não conheço. Nunca a vi."

Moral da história? Não tem... É uma evidência. Mas posso arranjar uma, não vá alguém insistir. Que tal: "Não vires o rabo na noite, a aurora pode dar-te um açoite"? Como rima, pode ser que evolua para provérbio popular; e quem viver com alguém do mesmo nome pode ficar precavido...





Como me deu vontade de começar, agora deu-me vontade de acabar. Soube bem, obrigado.

Desculpem não ter tido a mínima intenção de fazer sentido ou tirar alguma conclusão; de fazer boas associações ou comparações esclarecedoras; de começar algo ou continuá-lo com coerência. Não perderam nada. Os pensamentos, afinal, não passam de uma colecção de cromos velhos que assumimos como originais e - pior - acreditamos que é isso que somos. E lá vamos continuando a trocar ideias, muitas ideias, convencidos que há perspectivas novas que ainda não temos no álbum... É uma doença que pode durar uma vida inteira e não ter cura. Protejam-se.


Pronto, por hoje já brinquei aos posts. Uma manhã boa. Respirem a Vida.




"Se não podes estar contente com uma respiração, ainda não começaste a viver…"
Maharaji


14/05/2007

Adicionei música

Está ali mais acima, do lado direito, se a dislexia não me engana. [3ª ou 4ª edição: agora passou a música de fundo: está ao pé do... page footer] Blog meu sem música é como aquela cerveja perfeita, perfeita, perfeita mas... que não é cerveja.

Ah! O palavreado do post inaugural era só para dizer que estou ainda em período de testes blogais.

E porque disse tanto disparate, então? Porque blog meu sem disparates é como aquela manifestação do partido comunista que vi passar, semanas atrás, em Kolkata (ou Calcutta, se preferirem): era perfeita, perfeita, perfeita mas... era uma procissão. Os manifestantes, em vez de gritarem as habituais palavras de ordem, sorriam muito. E cantavam doce.

A política em beatitude. Um louvor às cores da primavera (ou वसंत, se gostarem mais).

Graças aos deuses!



11/05/2007

Em construção

À boa maneira portuguesa - apesar do nome - o período de construção deste blog deverá terminar algures entre hoje e o dia da inauguração.
Qualquer incentivo para apressar a obra será registado com apreço se acompanhado de donativo.




O blogário assegura assim a sua tranquilidade e o direito a criar em sossego, sem a urgência de prazos a cumprir.
Reserva-se ainda o direito de não saber se vai criar, porque vai criar e o que vai criar.

A criação é intemporal - dizem - e aqui, a qualquer momento, o conceito "hora" pode ter a dimensão de século e o conceito "década" pode minutizar-se num segundo.

Agora que as coisas estão claras, fecho a luz e despeço-me com um obrigado imenso, partindo com a certeza que regresso quando voltar.

Até lá, uma Vida boa.