26/10/2007

Tradição quebrada

Apeteceu-me fazer o que sempre evitei: traduzir poesia. O poema de E. E. Cummings é bastante conhecido e há várias traduções. Algumas boas, algumas não. A minha é apenas agradecida ao poeta e a quem me faz sentir o poema vivo em mim.


E. E. Cummings - Lovers in woods at water's edge

*

i carry your heart with me (i carry it in
my heart) i am never without it (anywhere
i go you go, my dear; and whatever is done
by only me is your doing, my darling)
i fear

no fate (for you are my fate, my sweet) i want
no world (for beautiful you are my world, my true)
and it's you are whatever a moon has always meant
and whatever a sun will always sing is you

here is the deepest secret nobody knows
(here is the root of the root and the bud of the bud
and the sky of the sky of a tree called life; which grows
higher than the soul can hope or mind can hide)
and this is the wonder that's keeping the stars apart

i carry your heart (i carry it in my heart)

*
trago comigo o teu coração (trago-o no
meu coração) nunca estou sem ele (onde quer
que eu vá tu vais, minha querida; e o que quer
que seja feito só por mim é obra tua, minha amada)
não receio

destinos (porque tu és o meu destino, meu doce) não
quero mundos (porque linda tu és o meu mundo, minha verdade)
e tu és o que quer que a lua sempre significou
e o que quer que um sol sempre cante és tu

eis o mais profundo segredo que ninguém conhece
(eis a raiz da raiz e o rebento do rebento
e o céu do céu de uma árvore chamada vida; que cresce
mais alto do que a alma pode esperar ou a mente pode ocultar)
e esta é a maravilha que mantém as estrelas separadas

trago comigo o teu coração (trago-o no meu coração)

E. E. Cummings



Editado em 04/12/2008. Muito, muito tempo depois.

Em vez de "...ou a mente pode esconder" parece-me melhor usar "...ou a mente pode ocultar". Talvez "esperar/ocultar" fique mais próximo do brincar de palavras original "hope/hide". Talvez...


David Bowie - Absolute Beginners

23/10/2007

Metafísica brejeira? Não, é uma...

*

descrição fugaz quase religiosa e em formato popular de um espreguiçar sexual num virar do sono




o visionário ficou alerta
“que linda luz, será divina?”

era teu santuário com a porta aberta
e fiz truz-truz
em ti menina

Ben Harper - Sexual Healing

16/10/2007

Olá! Dia bonito, não está?

Na manhã dos teus anos,

um pássaro cumpriu o destino e acordou-me para ouvir as ondas esfregarem-se ansiosas dos teus pés para molhar. O sol nasceu incerto das cores a dar ao céu por não saber que tons de roupa ias usar. O vento enlevado por te ver nua jurou assobiar aragens suaves de levante para te inebriares até ser lua comigo o teu amante.

Marc Chagall - Bride



John Mayer - Your Body Is A Wonderland

04/10/2007

Um 'até já' mais pousado

*
Que pobre é o coração que não sabe amar,
que não pode embriagar-se de amor!
Se não amas, como explicas a luz inebriante do sol
e a mais leve claridade da lua?

*
Além da Terra, pelo Infinito,
procurei, em vão, o Céu e o Inferno.
Depois uma voz séria disse-me:
"O Céu e o Inferno estão em ti."

*
Como o rio, ou como o vento,
vão passando os dias.
Há dois dias que me são indiferentes:
o que foi ontem, o que virá amanhã.

*
Cristãos, judeus, muçulmanos, rezam,
com medo do inferno; mas se realmente soubessem
dos segredos de Deus, não iam plantar
as mesquinhas sementes do medo e da súplica.

*
Quando me falam das delícias que na outra vida
os eleitos irão gozar, respondo:
Confio no vinho, não em promessas;
o som dos tambores só é belo ao longe.

*
Se em teu coração cultivaste a rosa do amor,
quer tenhas procurado ouvir a voz de Deus,
ou esgotado a taça do prazer,
a tua vida não foi em vão.

*
Alguns sábios da Grécia sabiam propor enigmas?
É absoluta a minha indiferença por tanta inteligência.
Dá-me vinho, minha amiga; deixa-me ouvir o alaúde,
olha como lembra o vento que passa, como nós.

*
Nunca rezei nos templos, mas antes
ainda sentia uma ténue esperança.
Agora gosto de me sentar lá;
aquela sombra é propícia ao sono.

*
Cansado de perguntar aos sábios, perguntei à taça:
para onde irei depois da morte?
Ela respondeu-me baixinho: “Bebe em minha boca,
bebe longamente. Não voltarás.”

*
A aurora encheu de rosas a taça do céu,
e o último rouxinol canta o seu meigo canto;
e ainda há quem pense em honras e glórias...
Vem, menina... que sedosos são os teus cabelos...

Omar Khayyam


Estes são os meus preferidos Rubaiyat de Omar Ibn Ibrahim El Khayyam, que nasceu na Pérsia em 1040 e viveu até 1120. Foi matemático, astrónomo e Poeta. Rubaiyat é o plural de ´rubai´, palavra persa que significa quarteto ou quadra (e quaternário, também) e dá nome a uma compilação da poesia de Omar Khayyam.

A tradução é de
Alfredo Braga (a melhor que conheço) e se clicarem no nome, para além de todos os Rubaiyat, encontrarão um texto interessante sobre esta obra. Fiz apenas dois ou três ajustes que mereciam a pena, de acordo com o meu olhar e sobretudo com o meu sentir. Desculpem a eventual cegueira; do sentir não me arrependo.

Após este palavreado todo, aproveito para vos desejar uns dias bons até 15 de Outubro, ou algo assim, já que o blogário (escriturário de blog, em portubloguês) vai deslocar-se para sudoeste, tendo por missão a tarefa leve de continuar a saborear a Vida e partilhá-la com quem Ama.

Ah! Como sei que vão sentir a minha falta — e a falta da habitual média de 48 posts diários pode deixá-los com uma sensação de abandono — preparei uma playlist com os sons que fui deixando por aqui desde o início, no já remoto ano de Maio último. Deixei-a no fundo da página. Caso apeteça.

As músicas estão todas lá, excepto a de hoje porque a escolhi agora mesmo. Não se assustem: não é música para uma qualquer dança Dervish. Será ela um pouco corny? Sim, posso concordar. Talvez. Às vezes. Mas que mal há nisso quando soa bem ao coração e azula o olhar de turquesa?

Um 'até já' mais pousado. Fiquem bem.

Michael Bublé - Everything